Entenda por que empresas querem enviar data centers para o espaço
Avanços em inteligência artificial estão impulsionando uma demanda crescente por data centers, também chamados de centro de processamento de dados. Mas essas instalações que se assemelham a armazéns, contendo computadores que processam e armazenam dados, exigem muito terreno e enormes quantidades de energia, gerando emissões significativas de dióxido de carbono.
A demanda de energia dos data centers aumentará 165% até 2030, de acordo com a Goldman Sachs. Alguns usam energias renováveis, e outros estão sendo construídos com geração de energia renovável no local, mas fontes de energia limpa como fazendas solares e eólicas requerem espaço físico, assim como a infraestrutura do data center.
Agora, alguns estão considerando colocar data centers no espaço, contornando o problema de encontrar terrenos disponíveis. O espaço também oferece melhor acesso à energia solar, sem a cobertura de nuvens, a escuridão da noite ou a sazonalidade da Terra.
Na Europa, o projeto Ascend visa demonstrar a viabilidade de data centers baseados no espaço para a redução das emissões de CO?.
No ano passado, a Thales Alenia Space, sediada na França e líder de um estudo financiado pela Comissão Europeia sobre a viabilidade do Ascebd, concluiu que enviar data centers para o espaço para aproveitar a energia solar contínua poderia oferecer “uma solução mais ecológica e soberana para hospedar e processar dados.” No entanto, isso dependeria de avanços tecnológicos em diversas áreas, afirmou Xavier Roser, da Thales Alenia Space.
Embora as emissões totais dos lançamentos de foguetes sejam atualmente apenas uma fração das da indústria da aviação, os foguetes liberam poluentes em altitudes mais elevadas, onde eles persistem por mais tempo.
O estudo Ascend estimou que, para que os data centers espaciais reduzam efetivamente as emissões de carbono em comparação com os terrestres, seria necessário o desenvolvimento de um veículo lançador que emita 10 vezes menos carbono ao longo de seu ciclo de vida do que os atuais. Não está claro quando ou se tal foguete poderá estar em desenvolvimento. A SpaceX, que revolucionou o custo dos foguetes com sua frota de veículos lançadores Falcon, não revelou planos de estrear um design de foguete mais ecológico.
Pequenos passos
A Madari Space, uma startup sediada em Abu Dhabi, colaborou com um programa de aceleração industrial gerido pela Thales Alenia Space. Ela é uma das poucas empresas que estão lançando pequenos componentes de computação em órbita como demonstrações técnicas.
O fundador e CEO da Madari, Shareef Al Romaithi, que também é piloto da Etihad Airways, afirmou que os data centers baseados no espaço poderiam beneficiar uma variedade de clientes, incluindo aqueles com satélites de observação da Terra.
Segundo ele, armazenar e processar os dados brutos de observação no espaço pode reduzir o tempo de atraso na análise das descobertas e “permitir que tomem decisões informadas em tempo hábil”.
Ele espera, eventualmente, implantar uma constelação de satélites de dados em órbita. Embora esse objetivo ainda esteja distante, a primeira missão da Madari, agendada para 2026, enviará uma carga útil do tamanho de um forno toaster — consistindo em componentes de armazenamento e processamento de dados — para a órbita a bordo de um satélite dos Emirados Árabes Unidos. Essa missão faz parte da Iniciativa Acesso ao Espaço para Todos (Access to Space for All Initiative) do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA).
Outros já realizaram lançamentos. Em maio, a China lançou 12 satélites para uma constelação de computação baseada no espaço — o primeiro de uma frota proposta de 2.800 satélites para processar dados no espaço.
Al Romaithi diz que isso deve servir de alerta para considerar o espaço um local viável para data centers. “É uma realidade que está acontecendo”, afirmou ele.
A Lonestar Data Holdings uma empresa sediada na Flórida disse em março que testou com sucesso um pequeno data center na Lua apesar de o sistema ter pousado de lado e desligado precocemente
Em novembro a Starcloud uma startup sediada no estado de Washington lançará um satélite equipado com uma unidade de processamento gráfico. A empresa disse à CNN por e-mail que estabelecerá um recorde para o poder de computação em órbita mais potente.
“A minha visão é que, daqui a 10 anos, quase todos os novos data centers estarão sendo construídos no espaço, puramente devido às restrições que enfrentamos na construção de novos projetos de energia na Terra”, disse Philip Johnston, CEO da Starcloud, no e-mail.
Os principais desafios a serem superados primeiro são dissipar grandes quantidades de calor no vácuo e fazer com que os chips funcionem em um ambiente de alta radiação, acrescentou ele.
Ainda assim, o setor está em estágios muito iniciais — e é um salto gigantesco lançar data centers grandes o suficiente para oferecer uma alternativa aos terrestres. O custo será fundamental, sendo os custos de lançamento dependentes do peso da carga útil.
A Lonestar assinou um acordo de US$ 120 milhões (cerca de R$ 645 milhões) com a fornecedora de naves espaciais Sidus para construir e fornecer suporte em órbita para seis satélites de armazenamento de dados.
A empresa planeja lançar o primeiro em 2027 — um sistema de 15 petabytes operando a partir do ponto de Lagrange L1 Terra-Lua, a cerca de 60 mil quilômetros da Lua.
Os próximos cinco satélites dobrarão a capacidade de armazenamento em cada lançamento, mantendo o mesmo peso e os mesmos requisitos de energia, de acordo com a empresa.
Cada satélite compartilhará uma carona com satélites maiores a bordo de um SpaceX Falcon compondo cerca de 15% da massa da carga útil Isso pode custar cerca de $10$ milhões de dólares por lançamento para uma fração da capacidade de armazenamento de muitos data centers terrestres
Superando desafios astronômicos
Alguns especialistas estão céticos quanto à economia dos data centers no espaço “Para fazer uma análise de custo-benefício verdadeira e objetiva o projeto não resiste ao escrutínio” disse Quentin A Parker, diretor do Laboratório de Pesquisa Espacial da Universidade de Hong Kong.
“As soluções terrestres ainda estão lá e ainda são provavelmente muito mais baratas do que tentar colocar qualquer coisa no espaço” acrescentou ele. “Colocá-los no espaço tem todo tipo de problemas associados”.
Embora os defensores afirmem que armazenar dados no espaço poderia fornecer proteção contra ataques a data centers ou danos devido a desastres naturais Parker aponta que o espaço traz seus próprios riscos incluindo radiação detritos espaciais e também as consequências de enviar mais objetos feitos pelo homem para o espaço sem uma solução para limpá-los
Especialistas têm soado alarmes sobre a quantidade crescente de lixo feito pelo homem deixado no espaço. Eles alertam que uma colisão poderia derrubar as tecnologias baseadas no espaço que alimentam nossa vida cotidiana.
Outros apontaram que a manutenção e o reparo de data centers no espaço podem representar um grande desafio, enquanto o clima espacial, como erupções solares, poderia interromper os serviços. Além disso, várias nações estariam desenvolvendo “tecnologias antiespaciais”, como sistemas de interferência que podem ser direcionados a satélites.
Os defensores de data centers espaciais podem estar “superestimando as vantagens e subestimando significativamente as grandes desvantagens”, disse Parker.
Mas, para Al Romaithi, olhar para fora do planeta é uma necessidade. “Vale a pena superar esses desafios porque a alternativa é a estagnação tecnológica”, afirmou. “Chegaremos a um ponto em que estaremos esgotando nossos recursos apenas para operar data centers.”
Fonte: CNN Brasil