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A banalização da morte no Rio: A megaoperação que se tornou chacina

Por Rubem Gama

A recente e sangrenta operação policial nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, que deixou um número alarmante de mortos — totalizando mais de 60, segundo o balanço oficial inicial, mas com relatos de moradores que elevam o número total de vítimas para mais de 100 — não pode ser encarada meramente como uma “megaoperação” de combate ao crime. O saldo humano e a crueldade dos relatos a classificam inequivocamente como uma chacina, a mais letal da história do estado, superando episódios notórios como o Massacre do Carandiru em São Paulo (que registrou 111 mortos, embora a operação do Rio tenha um número de mortos que já se aproxima deste total segundo fontes de moradores).

Detalhes da Tragédia e a Letalidade Exorbitante

Os detalhes que emergem dos Complexos do Alemão e da Penha são de um cenário de guerra e horror, com profundas denúncias de violações de direitos humanos:

  • Número de Vítimas: O balanço oficial inicial apontou 64 mortos, incluindo 4 policiais. No entanto, o número se tornou rapidamente contestado por moradores e ativistas. Relatos indicam que dezenas de corpos foram encontrados e retirados por populares de áreas de mata, muitos deles com sinais de violência extrema, como marcas de facadas e até corpos decapitados, elevando o total de mortes para um número bem superior.
  • Armamento de Guerra e Caos Urbano: A ação mobilizou cerca de 2,5 mil agentes, blindados e helicópteros. A resposta do crime organizado foi igualmente intensa, com o uso de drones com bombas e fuzis, culminando no caos urbano, com bloqueios de vias expressas, ônibus incendiados e a suspensão de serviços essenciais como escolas (mais de 40 fechadas) e unidades de saúde.
  • Denúncias de Execução: Moradores relataram o desespero e a dor de encontrar parentes entre as vítimas, e há graves denúncias de que muitas vítimas foram executadas após rendição ou não tinham envolvimento com o crime, conforme apontam relatórios de entidades de direitos humanos em operações anteriores, como a do Jacarezinho, onde a perícia indicou execuções.

O Exagero Governamental: Má Planejamento e Voto de Sangue

A narrativa de “sucesso” ou “contenção” do Governo do Estado do Rio de Janeiro diante de tamanha carnificina reflete uma política de segurança pública falha e voltada para o espetáculo.

  • Má Planejamento e Ilegitimidade: Embora o governo alegue que a operação foi planejada por meses, o resultado catastrófico – o maior número de mortos já registrado – demonstra um planejamento desumano e ineficaz. Uma operação bem-sucedida não pode ser medida pelo número de cadáveres. Tais ações raramente atingem a estrutura financeira das facções, resultando apenas em um ciclo vicioso de violência e desespero para a população periférica. A alegação de que a ofensiva visava “reduzir os riscos à população” cai por terra diante do saldo de mortes e do colapso da vida em comunidade.
  • O Cunho Eleitoral: Em véspera de ano eleitoral, a exaltação de uma ação policial tão sangrenta, classificada por ativistas e políticos de esquerda como “genocídio” e “massacre”, carrega um forte cunho eleitoral. O discurso de “guerra” e de “tolerância zero” atende a uma parcela do eleitorado que valoriza a mão de ferro e o extermínio, transformando a segurança pública em uma plataforma de campanha baseada no derramamento de sangue e na espetacularização da morte de pessoas negras e periféricas.

“O que está acontecendo no Alemão e na Penha não é operação policial, é genocídio.” (Crítica de parlamentar, refletindo a visão de que a violência estatal é direcionada)

Alternativas para Evitar o Confronto e a Chacina

O alto número de mortes de civis demonstra que a prioridade não foi, em momento algum, preservar vidas, mas sim o confronto armado. Existem alternativas reais para a segurança pública que poderiam ter evitado o massacre:

  1. Investigação Financeira e Inteligência Pura: Focar a atuação policial na desarticulação da estrutura financeira das facções criminosas, e não apenas em seus braços armados. O rastreamento de dinheiro, lavagem de capitais e a corrupção que sustenta o crime organizado são muito mais eficazes para a quebra de poder do que a incursão armada massiva.
  2. Uso Seletivo da Força: Cumprimento de mandados de prisão específicos, com uso de tecnologia de ponta e táticas de inteligência altamente precisas e, quando necessário, em horários de menor circulação, minimizando o risco para a população e evitando o confronto generalizado.
  3. Investimento Social Estrutural: A segurança pública se faz com mais do que polícia. É fundamental investir em infraestrutura, saúde, educação de qualidade e oportunidades de emprego nas áreas mais vulneráveis, rompendo o ciclo de pobreza e marginalização que alimenta o crime.
  4. Cumprimento das Decisões do STF (ADPF das Favelas): A Defesa de Direitos Fundamentais (ADPF) das Favelas estabeleceu critérios rigorosos para operações policiais, mas o Estado do Rio de Janeiro demonstra dificuldade em apresentar um plano para a redução da letalidade policial, persistindo em ações que violam direitos e resultam em chacinas.

A operação no Rio é um trágico lembrete de que a política de segurança baseada na guerra e no confronto não é apenas ineficaz, mas profundamente violenta e eleitoreira. O Rio de Janeiro merece uma política de segurança que valorize a vida, não o número de mortos.

Rubem Gama

Servidor público municipal, acadêmico de Direito, jornalista (MTB nº 06480/BA), ativista social, criador da Agência Gama Comunicação e do portal de notícias rubemgama.com. E-mail: contato@rubemgama.com

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